Quem sou eu

Doutora e Mestre do programa de pós-graduação stricto sensu em Direitos e Garantias Fundamentais da Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Especialista em Direito Empresarial (FDV). Professora de Direito Civil da graduação e pós-graduação lato sensu da FDV. Sócia fundadora do escritório Lyra Duque Advogados (www.lyraduque.com.br).

ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA


ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA:
NOVOS RUMOS DA AUTONOMIA EXISTENCIAL

A Lei 13.146/2015 instituiu o chamado “Estatuto da Pessoa com Deficiência”. A norma foi publicada no dia 7 de julho de 2015 e entrará em vigor 180 dias após a sua publicação.
O Estatuto tem por escopo a proteção da pessoa com deficiência e, para isso, dentre outras alterações no Código Civil, revogou dispositivos relacionados à caracterização da incapacidade da pessoa física.
O escopo da mudança se volta à tutela e à inclusão dos indivíduos com limitações físicas e intelectuais. Mais uma lei entrará em vigor almejando a tutela de um núcleo de vulneráveis. Ponto positivo!
Com tal mudança, pode-se falar em alteração nos efeitos jurídicos para os atos da vida civil atribuídos às pessoas com determinada limitação física ou intelectual?
É sabido que nem toda deficiência afeta a capacidade plena da pessoa para os exercícios dos atos da vida civil (casamento, constituição de relações familiares, trabalho, negócios, etc.). Dessa maneira, a falta de discernimento e a impossibilidade de manifestação plena da vontade são condições para a limitação do exercício dos atos jurídicos e, quando comprovados, entra a necessidade da implementação dos poderes de representação.
A alteração legislativa, no que se refere aos artigos 3o e 4o do Código Civil, pode ser assim apresentada:

Código Civil de 2002 (antes da Lei 13.146 de 2015)
Código Civil de 2002 (após a vigência da Lei 13.146 de 2015
Art. 3o São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:  
I - os menores de dezesseis anos;
II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;
III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.

Art. 4o São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:  
I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; 
III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; 
IV - os pródigos.
Art. 3o São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de dezesseis anos.
I – REVOGADO.
II – REVOGADO.
III – REVOGADO.

Art. 4o São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos.
I – REVOGADO.
II – REVOGADO.
III – REVOGADO.
IV – REVOGADO.

O Código Civil, antes da Lei nº 13.146 de 2015, adotava quanto ao sistema de incapacidade um critério incoerente ao alocar a pessoa como incapaz, absolutamente ou relativamente, necessitando de terceiros como intermediários para o exercício de atos ligados a interesses econômicos, deixando, todavia, em aberto a tutela dos interesses existenciais do indivíduo (relacionamento, casamento, personalidade, dentre outros).
Com a revogação dos incisos acima indicados, o legislador, pelo que parece, teve como propósito atribuir à pessoa com limitações a sua proteção integral, em todos os aspectos (físicos, psíquicos, econômicos, éticos e sociais), por ser igualmente um sujeito de direito que pode ter uma função socialmente ativa, sendo que a incapacidade será efetivada em cada caso e não mais tratada genericamente quando se constatar determinada limitação do indivíduo e a partir de critérios taxativos indicados na lei.
O exercício da autonomia existencial do indivíduo ganha força. Ponto positivo! A falta de clareza, no entanto, quanto à questão de representação, em casos de conflitos, irá depender de uma interpretação casuística e contará com o subjetivismo do julgador. Ponto negativo!
Ganha-se, e muito, com a valorização à autonomia existencial da pessoa humana. A ideia de titularidade de direitos e deveres se volta agora para um cenário unificado de tutela (patrimonial e existencial) para toda pessoa humana. O cerne da questão é dar ênfase à existência e à personalidade, tutelando os atributos elementares do ser humano e o livre desenvolvimento da sua vida, numa linha de reflexão, como aquela proposta por Hannah Arendt, na qual o respeito pela dignidade do ser passa pelo reconhecimento de cada indivíduo humano como edificador de mundos ou coedificador de um mundo comum.



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