“A incerteza é onde nos movemos, não só na ação, mas também no conhecimento” (Edgar Morin).
O subtítulo deste artigo faz alusão à expressão usada na obra “Como chegar ao sim: a negociação de acordos sem concessões”, que aborda o método da negociação da Harvard Law School, chamado método da negociação baseada em princípios[1].
Tal método se concentra em quatro pilares[2], a saber: 1) separar as pessoas dos problemas; 2) concentrar-se nos interesses e não nas posições; 3) inventar opções de ganhos mútuos; e 4) insistir em critérios objetivos.
Em recente relatório divulgado no Programa de Negociação da Escola de Direito de Harvard (Program on Negotiation at Harvard Law School[3]), algumas estratégias são sugeridas para transformar uma situação de crise em negociações colaborativas: aliviar a tensão e construir a confiança por meio de um diálogo aberto, reconhecer os sinais de alerta de uma potencial crise e aprender a trabalhar juntos para criar valor.
A negociação está presente em toda relação humana. Negociamos nas mínimas coisas. No campo contratual, a negociação se inicia desde a fase de tratativas iniciais, continua no momento da confecção do instrumento contratual e se mantém durante o cumprimento do acordo. De igual modo, a arte de negociar será fundamental caso aconteça o descumprimento do contrato.
Querer, formar convicções, desejar e respeitar são escopos que se misturam neste jogo de liberdade e interesses. Diante disso, considerando que todo negócio tem uma dose de risco, passa a ser fundamental também considerar qual seria o risco de cada negócio para a sociedade.
Falando em liberdade, a Lei 13.874 de 2019, Lei da Liberdade Econômica (LLE), veio para alterar a perspectiva da interpretação e da revisão dos contratos denominados de paritários. Essa categoria se faz aplicável aos formatos de contratos com ampla negociação entre as partes sobre o seu conteúdo, as suas cláusulas e a produção dos seus efeitos.
Neste ponto, a LLE procurou ressaltar a autonomia privada, tornando relevante o conteúdo jurídico e econômico deliberado entre pessoas naturais e jurídicas em seus negócios, como disposto no artigo 3º, inciso VIII.
Interessante é o valor dado à negociação prévia entre partes, como previsto no novo artigo 113, § 1º, inciso V, do Código Civil (alterado pela LLE), a saber:
“Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.
§1º A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o sentido que: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
(...) V - Corresponder a qual seria a razoável negociação das partes sobre a questão discutida, inferida das demais disposições do negócio e da racionalidade econômica das partes, consideradas as informações disponíveis no momento de sua celebração”.
Acontece que, neste momento, todo o cenário de negociação mudou. A crise pandêmica chegou para balançar a estabilidade das relações contratuais. Diante disso, pergunta-se: seria possível chegar ao sim em tempos de pandemia?
Diante da externalidade provocada pela Covid-19 nas relações privadas, este estudo propõe “insistir em critérios objetivos”, para alcançar o sim nas negociações e renegociações contratuais. Para isso, parâmetros objetivos nas (re)negociações precisam ser visitados, tais como: momento da formação do contrato, diploma legal a ser aplicado, relevância atribuída para cada prestação e apurar, nos contratos de longa duração, quantas prestações já foram cumpridas.
Diante da externalidade provocada pela Covid-19 nas relações privadas, este estudo propõe “insistir em critérios objetivos”, para alcançar o sim nas negociações e renegociações contratuais. Para isso, parâmetros objetivos nas (re)negociações precisam ser visitados, tais como: momento da formação do contrato, diploma legal a ser aplicado, relevância atribuída para cada prestação e apurar, nos contratos de longa duração, quantas prestações já foram cumpridas.
A premissa sustentada diante desses quatros elementos é a busca pelo melhor cumprimento do acordo originário, ainda que as partes estejam num momento de grande incerteza.
A formação do contrato definirá parâmetros para a (re)negociação de modo a não se afastar daquilo que fora relevante para as partes originariamente. O diploma legal a ser aplicado é um critério técnico que deve ser observado. Por exemplo, a Lei do Inquilinato será aplicável às especificidades das locações nos contratos paritários[4], não se falando em aplicação do Código de Defesa do Consumidor neste caso.
A relevância atribuída para cada prestação, como já sustentado em outro artigo[5], buscará a “fixação do conteúdo do negócio estipulado pelos contratantes, sendo este um alicerce vital do direito privado em que todos são livres para assumir os riscos apreciados como devidos”.
Por fim, o critério da quantificação das prestações se dirige aos contratos que se prolongam no tempo. Neste aspecto, adotar algumas teorias que há tempos já são estudadas e utilizadas pode ser uma saída. Pode-se falar, por exemplo, na aplicação da teoria do adimplemento substancial, em busca da conservação do contrato e do aproveitamento daquilo que já fora substancialmente cumprido, e no uso do duty to mitigate the loss (dever de mitigar a perda) para imputar ao credor o dever de não se favorecer com o inadimplemento alheio.
Sem pretender romantizar sobre os aspectos positivos sustentados na busca pela cooperação e negociação, devem ser analisados de igual modo os efeitos negativos de uma relação contratual em razão da sua própria normatividade econômica, a fim de evitar as intervenções (sem critérios) nas relações privadas com perdas de eficiência e limitações ineficientes para resolver os conflitos.
Estabelecer regras de (re)negociação é criar hábitos. A pandemia já mudou os nossos hábitos e mudará muitos outros. Como adverte Edgar Morin[6], a “compreensão humana comporta o entendimento não só da complexidade do ser humano, mas também das condições em que são modeladas as mentalidades e praticadas as ações”.
REFERÊNCIAS
DUQUE, Bruna Lyra. Precisamos falar sobre causa do contrato em tempos de crise pandêmica. Disponível em: <https://brunalyraduque.jusbrasil.com.br/artigos/829925664/precisamos-falar-sobre-causa-do-contrato-em-tempos-de-crise-pandemica>. Acesso em: abril, 2020.
FISHER, Roger. URY, William. PATTON, Bruce. Como chegar ao sim: a negociação de acordos sem concessões. Trad. Vera Ribeiro e Ana Luiza Borges. Rio de Janeiro: Imago, 2005.
MORIN, Edgar. VIVERET, Patrick. Trad. Clóvis Marques. Como viver em tempo de crise? Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013.
TEPEDINO, Gustavo [Coord]. Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
[1] “Harvard Negotiation Project” (Projeto de negociação de Harvard), à época em que a obra foi escrita, era coordenada por Roger Fisher e outros professores. Tal projeto desenvolveu o método de negociação por princípios.
[2] FISHER, Roger. URY, William. PATTON, Bruce. Como chegar ao sim: a negociação de acordos sem concessões. Trad. Vera Ribeiro e Ana Luiza Borges. Rio de Janeiro: Imago, 2005. p. 150-151.
[3] Disponível em: <https://www.pon.harvard.edu/freemium/crisis-communication-how-to-avoid-being-held-hostage-by-crisis-negotiations/?ecid=CrisComm-Crisi-00-tx>. Acesso em: abril, 2020.
[4] “Em relações não caracterizadas pela vulnerabilidade de qualquer das partes, é imprescindível conceber a boa-fé na sua real extensão: como princípio que exige lealdade e honestidade, impondo deveres de colaboração que são condicionados e limitados pela função social e econômica do negócio celebrado”. TEPEDINO, Gustavo SCHREIBER, Anderson. A boa-fé objetiva no Código de Defesa do Consumidor e no novo Código Civil. In: TEPEDINO, Gustavo [Coord]. Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 41.
[5] DUQUE, Bruna Lyra. Precisamos falar sobre causa do contrato em tempos de crise pandêmica. Disponível em: <https://brunalyraduque.jusbrasil.com.br/artigos/829925664/precisamos-falar-sobre-causa-do-contrato-em-tempos-de-crise-pandemica. >. Acesso em: abril, 2020.
[6] MORIN, Edgar. VIVERET, Patrick. Trad. Clóvis Marques. Como viver em tempo de crise? Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013. p. 14.