Os agentes financeiros brasileiros têm praticado irregularidades nos financiamentos
imobiliários (mútuo) e as ações de revisão judicial crescem a cada dia.
Tal ilegalidade gera dissabores enormes ao mutuário, especialmente,
quando este paga há mais de 20 anos o financiamento e, segundo a instituição
financeira, continua ainda a dever, sendo que tal situação se postergará para
mais uns 10 anos.
Esse cenário todo acontece com os mutuários que firmaram seus contratos nos
anos de 1988 a 1993 e sofreram com as mudanças dos planos econômicos.
Nesses contratos, ocorre uma grave distorção do negócio pela
instituicão financeira na forma de aplicação da atualização do débito e da
cobrança dos juros, de modo que, consequentemente, o saldo devedor é corrigido
de maneira irregular e abusiva, fazendo com que o mutuário assuma valores
indevidos ao longo do cumprimento do pacto.
Em suma, a instituição financeira realiza as amortizações do saldo devedor, utilizando todo o valor pago das prestações para o pagamento dos juros, não ocorrendo amortização do principal.
O STJ tem entendido pela revisão nos contratos, in verbis:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA
DE INTERESSE RECURSAL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. SALDO DEVEDOR.
ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA. TR. PAGAMENTOS MENSAIS PARCIAIS. IMPUTAÇÃO AOS JUROS E
AO PRINCIPAL. TAXA DE JUROS. LIMITES. PAGAMENTOS EFETUADOS A MAIOR. COMPENSAÇÃO
COM PRESTAÇÕES VENCIDAS E VINCENDAS DO FINANCIAMENTO. RESTITUIÇÃO EM DOBRO DAS
QUANTIAS (CDC, ART. 42). IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE CONDUTA CULPOSA DA
CEF. MATÉRIA CONTROVERTIDA.1. Não pode ser conhecido o recurso da CEF quanto à alegação de violação
ao art. 5º da LICC, vez que insatisfeito o requisito do prequestionamento. 2.
Tampouco pode ser conhecido no que se refere à legitimidade da utilização da
tabela Price como sistema de amortização. É que, ainda que tenha tecido
considerações a respeito da impossibilidade de incidência de juros sobre juros,
o acórdão a quo terminou por considerar legítima a utilização da tabela Price,
dando, no ponto, provimento à apelação da CEF, "para declarar que o
Sistema de Amortização Francês - Tabela Price não implica a capitalização de
juros". Não tem, portanto, a recorrente interesse no pedido formulado. 3.
Finalmente, não pode ser recebido o apelo quanto à alegação de ser inaplicável
ao contrato o Código de Defesa do Consumidor, pois não há qualquer pedido
relacionado a esse tema no especial — até porque não foi provida a apelação dos
autores na parte em que pretendia a restituição dos valores em dobro, na forma
do art. 42 do CDC. 4. A TR, com o julgamento pelo STF da ADI 493/DF, Pleno,
Min. Moreira Alves, DJ de 04.09.1992, não foi excluída do ordenamento jurídico
pátrio, tendo apenas o seu âmbito de incidência limitado ao período posterior à
edição da Lei 8.177, de 1991. 5. Aos contratos de mútuo habitacional firmados
no âmbito do SFH que prevejam a correção do saldo devedor pela taxa básica
aplicável aos depósitos da poupança aplica-se a Taxa Referencial, por expressa
determinação legal. 6. O Ato Normativo BNH 81, de 15.12.1969, determina que, na
apuração do saldo devedor a ser coberto pelo FCVS, sejam consideradas como
pagas pontualmente as prestações contratuais. Sobre tais prestações, estatui
que se compõem "de quotas de juros e de amortização". Em cada
prestação, "a diferença entre a prestação do PES e a quota de juros (...)
constituirá a quota de amortização". Há, portanto, norma especial a
determinar a imputação dos pagamentos mensais, quando insuficientes à quitação
integral da parcela, primeiramente aos juros, e só depois, pelo saldo, ao
principal. 7. Configura-se abusiva a cobrança de taxa de juros em percentual
que exceda ao limite máximo preconizado no contrato e na legislação vigente na
data de sua assinatura. No caso, o contrato foi celebrado em março de 1988,
estando sujeito, portanto, às regras previstas na Lei 4.380/64, que limitou, em
seu art. 6º, e, a sua taxa incidente sobre os contratos no âmbito do SFH a 10%
ao ano. 8. Os valores que ora se reconhece terem sido pagos a maior pelo
mutuário devem ser compensados com prestações vencidas e vincendas do contrato,
de modo a restabelecer seu equilíbrio, assegurando que o saldo devedor ao final
eventualmente apurado, a ser coberto pelo FCVS (Lei 7.682/88, art. 2º, II),
reflita a efetiva equação econômica do ajuste, sem ser influenciado pelos
pagamentos indevidamente exigidos pelo agente financeiro. 9. O art. 42 do CDC
não se aplica à hipótese dos autos, porque, como se depreende da ressalva posta
na parte final do seu parágrafo único, a imposição da penalidade de restituição
em dobro depende da existência, pelo menos, de culpa por parte daquele que
exige valores indevidos. Ora, não se pode considerar culposa a conduta da Caixa
na aplicação de normas em torno das quais se estabeleceu intensa controvérsia
jurisprudencial, como é o caso daquelas disciplinadoras dos contratos firmados
no âmbito do SFH. 10. Recurso especial da CEF parcialmente conhecido e provido,
para reconhecer a legitimidade da correção do saldo devedor pela TR e para
determinar a imputação dos pagamentos mensais primeiramente aos juros e depois
ao principal. 11. Recurso especial dos autores parcialmente provido, para
autorizar a compensação das quantias pagas indevidamente com prestações
vencidas e vincendas do financiamento. (RESP 200401755837, STJ, Ministro José
Delgado, Primeira Turma, data de publicação: 02/05/2006, p. 254). (grifo nosso).
Critico, no entanto, a decisão judicial ao não impor à Caixa Econômica a restituição em dobro dos valores cobrados indevidamente do mutuário e, pior, justificar que a conduta da Instituição não é culposa. Ora, como pode uma Instituição com alto poder técnico, consolidada há anos no mercado, cobrar valores indevidos sem praticar ato culposo? Não dá para aceitar tamanho abuso de direito.
Todo esse cenário me leva a refletir quais são as reais motivações das ações governamentais permitirem irregularidades como esta, ou seja, o próprio governo incentiva que o ator social que mais necessita de financiamento, como ocorre no programa "Minha casa, minha vida" (melhor seria, "Minha casa, minha dívida"), assuma uma dívida eterna, débito este que ele nunca conseguirá adimplir, pois o saldo devedor nunca acaba.
Para finalizar, em contratos de longa duração e com cobrança de juros, entendo que sem o pagamento do saldo devedor, o financiamento habitacional se transforma em dívida vitalícia.